Profissionais Questionam Alongamento
A antiga orientação de ‘esticar e puxar’ músculos e tendões antes e depois da atividade física está sendo descartada por atletas e especialistas…
Qual a razão do “estica-e-puxa” do corpo para a atividade física? Se o exercício pressupõe “preparar” a “máquina” para desempenhar com destreza, explosão e/ou força os movimentos, qual a razão de alongar os músculos e tendões antes de começar uma partida de futebol ou uma corrida, por exemplo? A polêmica está na rua, nas praças esportivas e no meio acadêmico. Profissionais divergem sobre os benefícios do alongamento antes da atividade física.
Para uma corrente, é até prejudicial, colocando em xeque a orientação mais repetida entre praticantes de esportes, nos últimos anos, de que o “alongamento é essencial antes e depois da atividade física”. Mas, como tudo em ciência, o que inclui o estudo sobre fisiologia e corpo humano, a tese contrária ao alongamento “antes” também gera contrários.
Para outros profissionais em fisiologia do esporte, educação física e fisioterapia, alongar continua sendo necessário no ‘pré’ e ‘pós’ esforço físico. Mas para um terceiro segmento, a orientação é não alongar: “nunca”.
Em uma síntese objetiva, fazer alongamento é aumentar a distância entre dois pontos da musculatura.
Mas o corpo supera tantos limites que até a hipnoterapia cognitiva está emprestando sua colaboração para atletas de alta performance. O gaúcho Benomy Silberfarb, especialista nesta área da psicologia, disse em Bauru, durante encontro com profissionais do setor no mês passado, que realiza trabalhos específicos para a melhora da amplitude em exercícios há alguns anos. Ele tem percorrido diversos países para aplicar a técnica. No ano passado, fez o trabalho com atletas universitários nos EUA. Em outubro, esteve em Portugal falando da hipnoterapia cognitiva.
Segundo Benomy, a “fantástica máquina do corpo humano é capaz de superar limites com o uso da hipnoterapia cognitiva. A terapia sugere ao atleta a releitura sobre seus medos e limites e, de forma consciente, ele passa a saltar centímetros a mais do que ele saltava ou esticar o corpo além do que estava habituado”.
Antes de mais nada, é necessário ressaltar que todos os profissionais ou estudiosos consultados, envolvidos com a profissão que tem a atividade física como “matéria prima”, reconhecem benefícios no alongamento. Mas a questão é “quando” e “como” executá-lo. Por esta razão, portanto, é que profissionais de segmentos como o pilates e o RPG utilizam o alongamento em sessões específicas, separadas de outras atividades físicas. A ideia é ganhar flexibilidade.
Movimento Estático
Uma das controvérsias sobre o alongamento foi discutida pelo americano Stephen Thacker, em publicação na revista do American College Of Sports Medicine. No estudo, ele posiciona que não existe comprovação de que o alongamento feito com a pessoa parada evita que um corredor sofra lesões.
Para o professor em treinamento esportivo, formado em educação física e doutor em motricidade humana pela Unesp Rio Claro, Júlio dos Santos, a palavra chave na discussão é “aquecimento”. “Preparar o corpo para a atividade física não tem relação com alongamento. Os estudos mais recentes apontam que é necessário preparar o corpo pra o exercício e, neste sentido, o aquecimento é o caminho inicial”, opina.
Santos amplia que o aquecimento pressupõe fazer a ativação moderada do corpo. “Você simula movimentos moderadamente, adaptando o corpo, preparando as articulações para o exercício em si. O alongamento, para não ser prejudicial, até pode ser ministrado mas sem intensidade nem em amplitude, nem em tempo de realização. Muita amplitude prejudica o desempenho para as ações de força e potência que viram a seguir, na atividade em si, mostram os estudos mais recentes”, diz.
Júlio dos Santos também defende o alongamento com “muita moderação” ao final do exercício. “Ao término de uma partida de futebol ou corrida o alongamento leve, só para ‘soltar’ a musculatura, um pouco pode até ser realizado. Mas nada de ficar lá 30 segundos com o músculo esticado”. A posição do acadêmico é recepcionada em diferentes frentes da prática do esporte.
Gustavo Barquilha, mestre em Ciências do Movimento Humano, fisiologista e preparador físico para alta performance, descarta o alongamento e pede aos atletas sob sua coordenação que realizem essa prática física em sessões separadas das disputas em si.
Barquilha não utiliza o alongamento mesmo em treinos de preparação. “Há mais de 10 anos eu não utilizo exercícios de alongamentos antes ou após alguma atividade física, especialmente a musculação. Antes de começar uma atividade física é recomendado realizar um aquecimento para aumentar a temperatura corporal e elasticidade dos músculos, tendões e ligamentos, o que pode evitar lesões”.
Preparador para esportes de alta performance, como os lutadores de mistura de artes marciais (MMA), Barquilha se vale da simulação de movimentos antes, mas apenas para aquecer. “Eu particularmente gosto de aquecer meus alunos com algum gesto esportivo do próprio esporte praticado. Por exemplo, um lutador realiza gestos de luta, enquanto um atleta fitness aquece no próprio aparelho de musculação, sempre em baixa intensidade. Após o treino é recomendado uma volta calma”, amplia.
Ele pondera, como o acadêmico, que o alongamento seja ministrado para melhora da flexibilidade. “Para assim aumentar a capacidade funcional e, consequentemente, a saúde. Mas indico para todos os meus atletas alongarem fora do treino: ao acordar, durante o almoço ou antes de dormir”.
Contraprodutivo
Para o fisioterapeuta Rodrigo Rebuá, o alongamento antes do exercício físico, como uma partida de futebol, uma corrida, luta ou mesmo sessão de academia, é contraprodutivo e, ainda, pode prejudicar a performance.
“Os alongamentos tradicionais, como tentar tocar os pés, acabam endurecendo ainda mais os músculos em vez de relaxá-los. E isso é exatamente o oposto do que você quer ou precisa quando vai começar a fazer exercícios. É como puxar um pedaço de borracha. Feito na hora e modo errado, prejudica”, opina.
A posição é na linha biofísicomecânica. Ou seja, quando alongamos os músculos antes dos exercícios, eles são forçados e, por consequência, isso gera contração. “Não é que o alongamento faz mal. É que realizado com intensidade prejudica para a atividade física a seguir. Antes da malhação, não se deve alongar”, aponta.
“Sugiro aos meus pacientes começar com movimentos similares àqueles que serão realizados, mas sem carga ou impacto excessivo”, esclarece Rodrigo Rebuá citando, entre várias possibilidades, movimentos como o polichinelo, elevação de pernas e rotação de braços.
‘Não alongo nem antes e nem depois’
Vitor Carrara, especialista em Corrida Ancestral Indígena, já despachou o alongamento faz tempo. “Não faço alongamento nem antes e nem depois da atividade. O ponto é que há uma crença, que alongar a musculatura imediatamente antes e imediatamente depois irá reduzir a chance do praticante se lesionar, o que não é verdade”, fala.
Carrara explica, de sua parte, que o “que reduz as chances de lesão é o praticante ter uma reserva funcional de Amplitude de Movimento (ADM), ou seja, ter uma ‘sobra’ ou ‘folga’ de alongamento em relação aos gestos motores que envolvem a atividade desejada ou mesmo atividades do dia a dia. Isso significa que uma ginasta precisa de uma amplitude muito maior do que um corredor de fim de semana”.
Ele também integra o grupo dos adeptos da prática de alongar separado da atividade física normal. “O alongamento é de fundamental importância para se obter essa reserva funcional, mas pode ser em sessões separadas à atividade. Por outro lado, se o praticante tiver uma boa ADM, não há necessidade de se alongar. Um ponto importante é quanto à maneira que nossa sociedade industrializada se relaciona com o ambiente. Por exemplo, o uso constante da cadeira em detrimento da nossa posição natural de descanso, que é o cócoras, é um limitador fulminante de ADM, em outras palavras, você já viu um índio fazendo alongamento antes ou depois de correr para uma vigorosa caçada?”, questiona.
Lenha na Fogueira
Estudo realizado na Universidade de Zagreb, na Croácia, analisou o desempenho de voluntários em modalidades como natação, corrida e musculação logo depois de realizar alongamentos estáticos. A análise dos dados apontou que os exercícios de flexibilidade trouxeram prejuízo ao desempenho, contribuindo para reduzir a força dos músculos em 5,5%.
No mesmo trabalho, os cientistas apontaram queda na capacidade de produzir contrações em 2% e em 2,8% para atividade física de explosão. Não há ainda trabalhos conclusivos a respeito, pondera o doutor em motricidade Júlio dos Santos. Mas, o fisioterapeuta Rodrigo Rebuá cita que os autores sugerem que o alongamento relaxa a musculatura e os tendões, o que prejudica, ao invés de ajudar, na prática esportiva a seguir, por exemplo.
A mesma posição, de realizar treinos específicos de flexibilidade em sessões separadas da atividade física, é defendida pelo Laboratório de Neurofisiologia e Exercício da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).